sábado, 14 de abril de 2012

O adeus do Hospital Psiquiátrico do Lorvão


(Texto publicado in "Diário As Beiras", a 14/03/2012)

"REQUIEM PELO HOSPITAL DO LORVÃO

Ao contrário do que sucedeu noutros casos, a esperada notícia não mereceu  honras de primeira página, tão só uma fugaz nota de rodapé : o Lorvão vai fechar, de vez. Esvaído há 4 anos atrás aquando da deslocalização das unidades de tratamento dos doentes em crise psicopatológica, o Lorvão vegetou, ferido na sua identidade como um dos maiores hospitais psiquiátricos portugueses agora remetido a lugar de secundária ordem, sem presente nem futuro. Mas com um passado que atesta a sua dignidade.

Ao longo de cinco décadas, o Hospital Psiquiátrico do Lorvão prestou assistência às populações pobres de uma vasta área geográfica, gente simples que sabia da sua disponibilidade quando os cansaços afogavam a vontade, quando as mãos calejadas deixavam de cavar a esperança. Muitas vezes foi o refúgio, o momento necessário para respirar fundo, o desabafo terapêutico da calmaria de novos (re)equilíbrios capazes de afrontar as dificuldades. Foram muitos os trabalhadores que passaram pelo Lorvão, que ali cresceram pessoal e profissionalmente, nos bons como nos maus momentos, nas alegrias como nas tristezas. Foi o esforço de todos nós que moldou a instituição única que era o Lorvão. Às vezes com uma lágrima escondida, muitas vezes a preocupação levada para casa, inquietamente participámos da vida daqueles Homens e Mulheres, partilhámos os seus desassossegos chorados, as suas vidas magoadas.

Foi com o esforço de todos que, repito, o Lorvão era único, também na sua relação com a comunidade envolvente. Com defeitos e insuficiências, seguramente. E, absolutamente, com notáveis qualidades que a comparação com outros fez brilhar e continuará a evidenciar. Não merecia o maltrato néscio provindo da ignorância, a violenta agressão à sua dignidade, o desrespeito farisaico ao caminho trilhado. Um indivíduo com responsabilidades institucionais chegou mesmo a dizer, do alto da sua soberba e ignorância, que “não se deveria chamar áquilo um hospital”, referindo-se ao Hospital do Lorvão. Nunca nos conheceu (porque não quis), não sabia de nada (nem sabe, e adivinhamos que nunca saberá...), para além dos caminhos tortuosos do poder, dos fins atingidos pela bajulação salivosa. Mas não se inibiu de denegrir uma instituição infinitamente mais digna e útil do que ele, não se coibiu de nos insultar, a todos nós que fizemos o Lorvão. 

O Lorvão acaba sem uma devida palavra oficial de homenagem. Mas na memória carinhosa de quem por lá passou, técnicos e doentes, será sempre o lugar especial do cenário da construção de quem somos. E disto muito poucas instituições se podem orgulhar.

Paulo Henrique Figueiredo
(ex) Responsável pelo Serviço de Psicologia Clínica do Hospital Psiquiátrico do Lorvão"

Texto retirado do FACEBOOK

Sem comentários: